(U.M.E.) Ser mãe especial, por Maria Alice, em Mulher 7X7 (Editora Época)

Descobri que estava grávida pela quarta vez… Entrei em pânico, pois tinha perdido um bebê seis meses antes. A gravidez não foi fácil e meu casamento estava em frangalhos. Estava triste e relutei em aceitar a situação de ter mais um filho. Já tinha um casal com seis e sete anos.
Aos seis meses de gestação, entrei em trabalho de parto e fui internada. Tentamos segurar o bebê por cinco dias, mas no dia 8 de agosto de 1988 minha terceira filha nasceu, depois de um parto complicado com teste de Apgar 3, e a noticia de que, no máximo, teria 48 horas de vida. Não vi minha filha. Tivemos septicemia e ela precisou ser encaminhada a uma UTI Neonatal em outro hospital. Eu tive eclampsia e quase morri.
Três dias depois, superando as expectativas médicas, consegui vê-la e recebi informações que me assustaram muito. Em resumo, eu tinha comprado passagem para a Itália e fui parar na Holanda.
Foram 84 dias até que ela saísse da UTI. E tive que brigar muito por isso. Eu achava aquele lugar frio demais, desprovido de calor humano e sol. Até hoje ainda estremeço ao ouvir um toque de telefone igual ao de lá, ou ao ouvir uma bandeja caindo, ou mesmo o choro insistente de um bebê. Por diversas vezes me recomendaram “não saia daqui, pois de hoje ela não passa”.
Graças a Deus, não levei isso a sério. E graças a Ele apareceu uma fantástica neuropediatra em nosso caminho.
Depois de muitas idas e vindas, suspensão da urina, crescimento inadequado do cérebro, fixou-se um diagnóstico: microcefalia com paralisia cerebral grave. Mas o que isso significava? Eu não fazia a menor idéia… Nem ninguém…Ouvi apenas que ela não “iria” muita coisa já que apresentava deficiência motora e mental. Disseram-me uma vez “ela não será normal. Não vai sentar, não vai falar, não isso, não aquilo, será muito internada e vai viver pouco. As 48 horas iniciais passaram para uma semana, para um mês, para um ano, e resolvi definitivamente filtrar o que ouvia e seguir meu coração. Queria meu bebê!
No primeiro momento, muita revolta, muita dúvida, buscando um culpado e com muito medo de amá-la já que ia perdê-la. Até que caiu a ficha. Pensei em sentar no meio fio e chorar até resolver. É isso que vou fazer, pensava. Mas como não acreditava nesta hipótese, e minha história de vida não me permitia lamentações, resolvi ir à luta. Busquei e procurei fazer tudo que eu pudesse com um objetivo único: permitir que minha filha fosse feliz. Em nenhum momento busquei a cura ou a “normalidade”. Assim fui amando cada vez mais. Tracei uma única expectativa (a única que eu pensava ser viável): minha filha vai ser feliz apesar de qualquer limitação! E o que depender de mim, será feito!
No dia 8 de agosto deste ano, ela completou 22 anos.´´
Fonte: BLOG MULHER 7X7, Editora Época.

Todo mundo fala ´´Ah! O Amor de mãe é incondicional!´´… e é mesmo! Eu já até contei aqui um pouquinho sobre esse  sentimento, não foi? Pois é...
Parabéns a essa mãe que percebeu e pode usufruir desde sempre o contado especial com sua filha tão especial!
Aliás… mais uma vez:

´´Quanto sabereis o quanto ele pode ser amado, se tentais pesar-lhes as qualidades e defeitos?´´, nos pergunta um pensador hindu.
Parece que Maria Alice tem a resposta.
(RC)

O TEXTO QUE CONTA A HISTÓRIA DE ALINE, NÃO TERMINOU!

Internações? Foram duas para cirurgia ortopédicas e uma por faringite. Impressionante, não é? Para quem não ia viver 48 horas, 22 anos (ou 193.296 horas, até hoje) é um lucro e tanto. Para ela e para todos que de alguma forma fazem parte da sua vidinha. Aliás, vidona, porque essa menina é uma guerreira. Receber minha filha com todas as suas limitações me trouxe muito aprendizado e muito crescimento. Aprendi a lutar pelo que ela precisava (sangue, alimentação parenteral, massagem nos rins, plano de saúde já que o plano na época não queria incluí-la), a valorizar ma
is a vida e perceber o que realmente importa. Passei a não mais gastar energia com coisas que antes, para mim, eram enormes, e passaram a ser minúsculas ou até sem nenhum valor.
A tolerância, a paciência, um outro olhar para tudo, contribuiu, inclusive, para meu crescimento profissional. Conheci o amor incondicional, valorizo pequenos progressos, percebo apenas com um olhar, o sentimento do próximo. Especialmente os das crianças com quem trabalho. Aprendi a pedir ajuda (e como isso é difícil!), a ser mais humilde e até a me doar mais para quem precisa. Precisei descobrir como fazer contato com minha filha e descobri que a música era um canal maravilhoso. Mas com certeza não sou só isso. Às vezes me irrito, me canso, sinto tristeza, me sinto deficiente sem poder ir para onde quero, sinto sono e até raiva. Já me culpei por tudo isso, já sofri, mas hoje aceito minha condição humana e percebo meus ganhos.
Dias desses, ouvi uma frase de uma mãe que perdeu o filho caçula e me identifiquei. “Se isso aconteceu, com toda certeza, foi para que eu melhorasse enquanto pessoa, e podem acreditar, eu vou melhorar!” Bateu fundo porque foi exatamente isso que aconteceu comigo: melhorei em todos os sentidos.
Não é fácil ter um filho com necessidades especiais. Não desejaria isso a ninguém. As dificuldades são imensas, a começar pelo consultório médico onde perguntas curiosas são feitas, pessoas se afastam com medo de “pegar”. Os tratamentos são caros, a alimentação, o transporte inacessível, o preconceito, e por aí vai. Mas agradeço diariamente a esta criaturinha tão especial por fazer parte da minha vida. É um amor inexplicável.
Muita gente me pergunta como eu aguento, como cheguei aonde cheguei convivendo com tanta dificuldade, muita gente sente pena…E digo aqui: é horrível o olhar de pena. Sinceramente, não sei de onde vem tanta força e resignação, tanta disposição para ir à luta. Ao contrário do que muita gente possa pensar, a Anny, minha filha especial e mestra de tantos ensinamentos, não é “um problema”. Pelo contrário, ela foi a solução para muitos problemas. Existem apenas limitações, por vezes enormes, mas todas resolvíveis.
Acredito sinceramente que o grande pulo do gato é a aceitação. Aceitar do jeito que é. Amar do jeito que é. Se vai andar, falar, sentar, é apenas um detalhe. Não me preocupa nem um pouco, por que ao acordar, olho para ela e recebo um lindo sorriso e tudo fica perfeito.
Anny está viva, acredito eu, pelo desejo enorme que tem de viver, e por todo amor que tem recebido de tantas pessoas por todos esses anos. Nesses 22 anos, encontrei na Holanda paisagens belíssimas, e um caminho maravilhoso que jamais pensei em trilhar. Deixo, para encerrar, uma frase de Mario Quintana que me diz muito.
Quem não compreende um olhar, tampouco compreenderá uma longa explicação.”
Maria Alice, 52 anos, é carioca, psicopedagoga, arte-terapeuta e mãe de três filhos´´
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